Progresso Tecnológico: Teoria e Evidência

Paulo Silveira
7 min readJul 28, 2018

Introdução

Pretende-se através deste artigo apresentar uma síntese sobre as relações entre emprego e progresso tecnológico. A partir de uma perspectiva macroeconômica mainstream, serão abordados os impactos do progresso tecnológico no curto e médio prazos, contrapondo formulações teóricas e investigações empíricas. Além disso, será apresentada uma breve discussão a respeito do processo de destruição e criação de empregos em uma economia, o paradoxo do progresso, assim como sobre o puzzle no declínio dos empregos na indústria estadunidense após os anos 2000.

Progresso Tecnológico: Curto Prazo

Ao explorar as consequências do progresso tecnológico no curto prazo, Blanchard (2017) define o capital como variável fora do escopo da análise. Dito isso, o produto de uma economia seria definido pela relação entre trabalho e estado da tecnologia ou produtividade, termos utilizados intercambiavelmente:

Y = AN

Pode-se deduzir, então, que o nível de emprego de uma economia pode ser representado, em termos de entidades macroeconômicas, como a razão entre produto e produtividade:

N = Y/A

Contudo, a seguinte questão é apresentada: um possível aumento na produtividade compensa uma queda no nível de emprego através do aumento no nível do produto de uma economia?

Considerando a dependência entre nível do produto e relações IS — LM, em uma primeira instância tal questionamento só poderia ser aprofundado mediante uma análise a respeito da gênese dessa mudança na produtividade (gráfico 1).

Caso a mudança tenha origem na ampla adoção de uma nova tecnologia, a expectativa de um maior crescimento econômico levaria ao otimismo do consumidor, elevando os níveis de consumo ao mesmo passo que as firmas calibrariam suas expectativas, esperando maiores lucros. Uma maior expectativa de lucros, associada à necessidade da implantação dessas novas tecnologias, resultaria no aumento dos investimentos. Portanto, a ampla adoção de uma nova tecnologia teria efeito positivo sobre a demanda por bens na economia.

Entretanto, caso o aumento de produtividade seja advindo de ganhos de eficiência, sendo esses por meio do comércio internacional e competição ou fenômenos de downsizing, inicialmente não há efeito sobre a demanda agregada. Porém, o downsizing, por exemplo, pode envolver a demissão de trabalhadores por parte das firmas (reestruturação da organização de sua produção), gerando incertezas que podem implicar em um aumento da taxa de poupança da economia, reduzindo o consumo e gerando consequências adversas ao nível de consumo.

Gráfico 1

No curto prazo, a teoria não exaure as consequências do aumento de produtividade sobre o emprego. Empiricamente, há uma relação direta entre crescimento do produto de uma economia e aumento da produtividade, partindo do primeiro para o segundo. Ou seja, períodos de expansão econômica coincidem com períodos de crescimento da produtividade e períodos de retração econômica coincidem com períodos de queda da produtividade (gráfico 2).

Gráfico 2

Em suma, teoria e evidência apontam para uma relação direta entre crescimento da produtividade e crescimento do produto, sendo os efeitos desses sobre o emprego, em termos gerais, ambíguos e dependentes das origens e causas dessas mudanças.

Progresso Tecnológico: Médio Prazo

Examinando os efeitos do progresso tecnológico no médio prazo, Blanchard busca explorar seus possíveis desdobramentos quando a taxa natural de desemprego está sob consideração, postulando a seguinte questão: mudanças na produtividade afetam o nível natural de desemprego?

Essa discussão surge, cotidianamente, através do receio em relação ao desemprego tecnológico, no qual trabalhadores perdem seus postos de trabalho em razão da adoção de novas tecnologias. A teoria econômica indica a existência de associações entre um período de progresso tecnológico acelerado e uma maior taxa de desemprego natural, assim como entre um período de avanços tecnológicos lentos e uma menor taxa de desemprego natural.

Considerando que a taxa de desemprego natural é determinada pela relação de fixação de salários e preços, sendo a produtividade uma variável pertencente a ambas (no âmbito das expectativas, no caso da fixação de salários), pode-se deduzir uma dependência linear entre crescimento do salário real e crescimento da produtividade.

Sendo assim, o aumento de produtividade não afeta a taxa natural de desemprego porque dentre seus benefícios está a queda do nível de preços e, consequentemente, resultando em um aumento do salário real dos trabalhadores (gráfico 3).

Gráfico 3

Quando a teoria é contraposta à evidência empírica, observa-se uma dependência entre taxa natural de desemprego e nível ou crescimento da produtividade. No entanto, trata-se de uma relação fraca, porém, relevante, entre alta no crescimento da produtividade e baixo desemprego, assim como no caso contrário (gráfico 4).

Gráfico 4

No entanto, os receios a respeito do desemprego tecnológico não são totalmente infundados. Em um primeiro momento, alterações na produtividade não são, in promptu, incorporadas às expectativas, gerando um descompasso entre preços e salários e implicando em um desemprego maior. Contudo, mediante ajuste de expectativas, no médio prazo, a taxa de desemprego da economia voltará ao seu nível natural (gráfico 5).

Gráfico 5

The Churn: O Paradoxo do Progresso

O receio em relação ao desemprego tecnológico está ligado ao aspecto estrutural da economia, conforme discutem Cox e Alm (1992), ao resgatarem o conceito de destruição criativa (sendo o termo churn, da língua inglesa, um equivalente) popularizado pelo economista Joseph Schumpeter. Esse conceito define o processo de evolução de uma economia, onde suas estruturas são recriadas constantemente enquanto as pessoas buscam melhores condições de vida. Porém, nesse processo está implícito um paradoxo: a inovação possui relações diretas com ambos o progresso e dificuldade econômicos. Em um primeiro momento, não há dicotomia entre criação e destruição de empregos (embora o segundo seja mais aparente). Trata-se de um processo orgânico da economia, advindo de interações no âmbito da competição e da inovação. A composição da massa trabalhadora passa por constantes transformações, considerando o fator trabalho, nos Estados Unidos, por exemplo, eram necessárias 40 pessoas a cada 100 para alimentar a população do país, enquanto no início da década de 90 essa razão passou a ser de 3 pessoas para cada 100, sendo as demais, teoricamente, pessoas realocadas dentro da própria economia.

No entanto, esse processo é repleto de nuances. Um novo produto, fruto do progresso tecnológico pode ser apenas um substituto distante dos bens existentes (p. ex. câmera fotográfica), pouco sendo seu efeito na destruição de empregos. Enquanto determinadas ocupações possuem maiores facilidades ou dificuldades de realocação dentro do mercado de trabalho (p. ex. fax e ocupação de carteiro), ou ainda, esses postos de trabalho podem ser realocados em outros países, embora recurso não implique emprego e esse processo dinâmico seja passível de ser melhor enfrentado através do sistema educacional subjacente.

Destruição criativa no século passado. EUA. Retirado de: BLANCHARD, 2017.
Destruição criativa no século passado. EUA. Retirado de: BLANCHARD, 2017.

O Declínio dos Empregos na Indústria Estadunidense

Houseman (2018) apresenta uma série de estudos onde a relação entre declínio dos empregos na indústria, a automação e o comércio na economia dos Estados Unidos é investigada. A explicação aparentemente consensual apontada para a automação como grande causa do declínio dos empregos, cuja evidência envolve o aumento do produto da indústria em relação à economia agregada (gráfico 6).

Gráfico 6

Apesar desse aparente consenso, a crítica de Houseman está pautada na falta de evidências claras quanto a preponderância da automação no declínio absoluto e relativo dos postos de trabalho após o início da década de 2000 (gráfico 7).

Gráfico 7

Teoria e evidência corroboram a coincidência entre aumentos de produtividade e emprego durante períodos de expansão econômica, algo não observado atualmente. Assim configura-se um puzzle: qual a explicação para a coexistência entre a queda da participação relativa da indústria no nível de emprego e no produto da economia, sendo que o crescimento real do produto da indústria continua próximo das taxas do setor privado da economia como um todo?

A conclusão a priori indica a explicação consensual, o declínio dos empregos é causado pela automação. Mas, ao realizar uma análise desagregada, Houseman identificou uma preponderância do subsetor de computadores e eletrônicos nos resultados dos indicadores estatísticos, sugerindo que as inferências do consenso foram obtidas com base em dados distorcidos e relações entre identidades macroeconômicas (gráfico 8).

Gráfico 8

O aumento da produtividade, per se, não implica na redução do emprego, pois a identidade macroeconômica produtividade do trabalho ou estado da tecnologia também reflete fenômenos como a competição oriunda do comércio internacional e processos de offshoring.

Em suma, uma análise agregada da economia mascara o diagnóstico do estado da indústria no tangente à produtividade e o emprego. Diante do enfraquecimento da tese do consenso, Houseman sugere uma investigação sobre a preponderância do comércio internacional enquanto variável explicativa para o declínio do emprego na economia estadunidense.

Considerações Finais

Diante da síntese exposta através deste trabalho, espera-se apresentar algumas das principais dinâmicas macroeconômicas cujo progresso tecnológico está posto como um dos temas centrais. A contraposição entre teoria e evidência demonstra que, apesar da exploração científica do tema, ambiguidades e discussões inconclusivas ainda perpassam esse debate.

Referências

BLANCHARD, Olivier. Macroeconomia. 7ª edição. 2017. cap. 13.

COX, W. Michael; ALM, Richard. The churn — the paradox of progress. Annual Report, p. 5–11, 1992.

HOUSEMAN, Susan N. Understanding the Decline of US Manufacturing Employment. 2018.

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